A fotografia de Nair Benedicto

Em 2014, Nair Benedicto completa 74 anos. Já é uma senhorinha, é verdade, mas nem por isso deixa de fazer o que sempre lhe deu prazer: fotografar. Prazer este que, no entanto, surgiu de um modo um tanto inusitado.

Paulista, Nair sempre gostou muito de trabalhar com imagens. Com o objetivo de ingressar na televisão, entrou no curso de Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Foi lá que, influenciada pelo movimento estudantil, Nair transformou um pré-existente sentimento de mudança em algo muito mais vivo. Ela se envolveu principalmente na área da comunicação, tanto na luta por melhorias em seu curso quanto em discussões sobre o momento que se vivia no Brasil naquela época, em plena a ditadura militar.

Nair, em ação

Nair era casada, mãe de três filhos e não tinha nenhum envolvimento com grupos armados de luta contra o governo. Mesmo assim, a estudante não escapou da mão dos militares. Em 1969, foi presa e levada para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no centro de São Paulo, onde também foi torturada. Depois, foi transferida para o já extinto Presídio Tiradentes, onde chegou a dividir cela com a atual presidenta Dilma Rousseff. Ao todo, Nair ficou presa por nove meses, sendo que nos dois primeiros, esteve totalmente incomunicável.

Após ser libertada em 1970, porém, Nair viu seu sonho de trabalhar na televisão ruir. Ingressar em emissoras era algo muito complicado pois todas exigiam – mesmo sendo ilegal – uma espécie de ‘’atestado de boa conduta’’ e sua passagem pela prisão não era algo que colaborava muito. Foi aí que Nair viu na fotografia uma alternativa. Um jeito de trabalhar com a imagem e ainda fazer isso de modo independente.

Assim, logo depois de se formar, em 1972, ela começou sua carreira como fotógrafa, trabalhando inicialmente na empresa Alfa Comunicações. Sete anos depois, junto de Ricardo Malta e dos irmãos Juca e Delfim Martins, Nair fundou a Agência F4 de Fotojornalismo, a partir da qual buscou autonomia perante os jornais e revistas, e exerceu um grande papel na luta por direitos autorais e trabalhistas para os fotógrafos.

Foi nesta mesma época que Nair fotografou várias das manifestações populares que vinham ocorrendo no Brasil e que caracterizaram os últimos anos da ditadura militar. Ela foi uma das primeiras mulheres a cobrir eventos como estes – tarefa que, até então, só era realizada por homens. Fotografou inclusive uma série de movimentos sindicais, o que deu origem a materiais que serviram para a elaboração de um de seus livros, chamado A Greve do ABC (1980).

Apesar de ter sofrido os terrores da ditadura, Nair não usou a fotografia como arma de vingança. Ela procurou usar seus talentos para fazer o que sempre desejou: defender causas de cunho social e evidenciar a necessidade de mudanças. Foi até a Amazônia e fotografou uma série de tribos indígenas: Kayapós, Araras, Tembé, Kaxinawá.  Ela tinha o objetivo de revelar como era a realidade destas pessoas e como os grandes projetos “do homem branco’’ – como a usina de Tucurui – interferiam em suas vidas.

Índio Arantx, Manouki do Mato Grosso, 2006 (Nair Benedicto)

Com sua câmera, também procurou captar os problemas dos trabalhadores sem terras, a identidade dos nordestinos que vinham para São Paulo em busca de uma vida melhor, e a posição da mulher brasileira na sociedade – tema que a encantava. Nair se dedicou tanto a este tema que, durante 1988 e 1989, ela foi nomeada delegada pela Unicef para realizar uma documentação sobre a situação da mulher e da criança na América Latina.

Em 1991, a fotógrafa se desligou da Agência F4 e fundou a N-Imagens, a qual dirige até hoje. No mesmo ano, ao lado de grandes fotógrafos como Stefania Bril, Marcos Santilli, Rubens Fernandes Júnior e Fausto Chermont, ela integrou a equipe criadora do Núcleo dos Amigos da Fotografia (NAFoto), que durou vinte anos e foi responsável pela realização dos eventos bienais intitulados Mês Internacional da Fotografia de São Paulo.

Apesar de ter fotografado essencialmente a realidade brasileira, o trabalho de Nair é reconhecido no mundo todo. Suas fotos já foram publicadas em uma série de jornais e revistas nacionais e internacionais, tais como Veja, IstoÉ, Marie Claire, Ícaro, Paris Match, BBC Ilustré, Newsweek, Time, entre muitos outros. Além disso, tem ensaios expostos em alguns dos mais importantes museus do mundo: na Coleção Pirelli, do MASP, no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, no Smithsonian, em Washington e no MoMa, em Nova York.

Travestis no Rio de Janeiro, 1984 (Nair Benedicto)

É no MoMa que está exposto o primeiro trabalho independente de Nair. Curiosa por descobrir quem era e o que faziam os nordestinos que deixaram suas terras e vieram para São Paulo, Nair acabou no Forró do Mário Zan, no Jabaquara, bairro de São Paulo. Lá, fotografou a felicidade, a paixão e a cumplicidade daqueles que dançavam. No mesmo local, ela montou uma exposição de suas fotografias, a qual chamou a atenção de John Szarkowsky, diretor do MoMa, que estava em São Paulo. Ele adorou o ensaio e o comprou na hora.

Reconhecidíssima, Nair também já recebeu uma série de prêmios – entre eles o 11º Prêmio Abril de Fotojornalismo e o Prêmio Embratur, e elaborou vários livros. Além de A Greve do ABC, reuniu ensaios em A Questão do Menor (1980), Nair Benedicto: As Melhores Fotos (1988) e no recente Vi Ver (2012), que faz um panorama de sua trajetória como fotógrafa. O livro é dividido em duas partes: Amazonias, que apresenta a região sob um viés humanitário, e Desenredos, onde traça retratos sociais e culturais resumindo suas quatro décadas de trabalho com a fotografia. Nair montou este livro com uma série de fotos que eram inéditas até então. Para ela, estas imagens precisavam ser mostradas, pois, além de terem seu papel social, contavam parte da história do Brasil.

Tesão no Forró no Mário Zan, 1977 (Nair Benedicto)

A verdade é que Nair é um grande exemplo. Ela acredita que a fotografia tem um papel transformador e uma força de expressão muito grandes, e se aproveita disso para chamar a atenção das pessoas para questões sociais que considera relevantes. Utiliza seu trabalho como linguagem para contar histórias, revela universos desconhecidos e emociona. É o seu jeito de mudar, pelo menos um pouquinho, o que precisa ser mudado.

Originalmente em: http://www.lado-m.com/a-fotografia-de-nair-benedicto/

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