Zuzu Angel – Ela é a moda e a história do Brasil

‘’Quem é essa mulher/ que canta sempre esse estribilho?/ Só queria embalar meu filho/ que mora na escuridão do mar’’: estes são os primeiros versos de Angélica, composição de Chico Buarque e de Miltinho, do antigo MPB-4. A verdade, porém, é que nem todo mundo sabe quem é essa mulher de quem eles falam: Zuleika Angel Jones, ou simplesmente, Zuzu Angel.

Filha do Brasil

Zuzu nasceu na cidade de Curvelo, em Minas Gerais, em 5 de junho de 1921. Ainda quando pequena, mudou-se para Belo Horizonte, onde logo começou a se arriscar nas máquinas de costura, criando modelos para as primas. Anos mais tarde, já casada com o americano Norman Angel Jones, viveu alguns anos na Bahia. Foram destes dois estados, residências de sua infância e juventude, que Zuzu recebeu as principais influências de sua moda.

Em 1947, Zuzu se mudou com o marido para o Rio de Janeiro e foi lá que começou efetivamente sua carreira como costureira. Sim, era deste modo que Zuzu gostava de se chamar: costureira, mesmo depois de consolidar sua carreira e de abrir uma loja em Ipanema, em 1970. Isso porque não costurava apenas para mulheres da alta sociedade. Precursora do prêt-à-porter no Brasil, ela gostava de costurar para a mulher trabalhadora, que vinha pouco a pouco crescendo no país.

Além disso, Zuzu era defensora inveterada de uma moda verdadeiramente brasileira. A estilista buscou em seu passado os principais elementos de suas criações: temas regionalistas e folclóricos – como a inspiração em Maria Bonita e Lampião -, marcados pelo uso de cores tropicais sempre muito vivas e pelo uso de materiais naturais tipicamente brasileiros, como fragmentos de madeira, conchas, pedrarias e bambu. Além disso, adorava misturar tecidos e ousava em seus modelos, usando chita e rendas regionais – principalmente do Norte e do Nordeste – muitas vezes em vestidos de noiva e de festa.

Uma das características mais marcantes do trabalho de Zuzu, porém, são suas estampas delicadas. Seus vestidos eram – literalmente – pano de fundo para bordados caprichosos de pássaros, borboletas, flores, e de sua marca registrada, o anjo, espécie de etiqueta da marca, que era costurado na parte externa das roupas.

A partir destes elementos, Zuzu criou uma moda bem brasileira, que, fugindo à regra, fez mais sucesso no exterior do que em solo nacional. Enquanto no Brasil seguia-se à risca às tendências americanas e européias, países como os Estados Unidos abriram as portas para a moda tropical de Zuzu Angel. Foi lá que ela realizou uma série de desfiles, chegou a vender seus modelos em lojas de departamento conceituadas, como na Bergdorf Goodman, e ainda conquistou clientes de grande nome, como as atrizes Kim Novak, Joan Crawford e Liza Minelli.

Inspirações regionais: pastoral, franja de seda com bolinhas de jacarandá e renda do Norte, na exposição Ocupação Zuzu Angel

Ela só queria cantar por seu menino

Infelizmente, nem tudo foram flores na vida de Zuzu. Mãe de três filhos – Hildegard Angel, Ana Cristina Angel e Stuart Edgard Angel Jones -, a estilista viu sua vida virar de cabeça para baixo durante a ditadura militar, que tomava conta do Brasil nas décadas de 60 e 70. Seu filho, estudante de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), era também integrante do grupo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), de resistência armada à ditadura.

Em 1971, Stuart desapareceu e Zuzu saiu à sua procura nas prisões e quartéis do Rio de Janeiro. Mesmo diante de inúmeras negações por parte dos militares, ela se recusou a desistir. Mas foi só quando recebeu uma carta anônima – que depois descobriu-se ser de Alex Polari, ex-guerrilheiro – que Zuzu soube o que realmente havia acontecido. Por ter se recusado a fornecer informações aos militares, Stuart havia sido preso e torturado pelo Centro de Informações da Aeronáutica. Por fim, foi amarrado ao cano de escapamento de um jipe e arrastado pela Base Aérea do Galeão. Stuart morreu afixiado pelos gases tóxicos da fumaça de óleo diesel.

Revoltada e movida por sentimentos de justiça e legitimidade, Zuzu usou de todas as suas forças para reivindicar o corpo do seu Tuti – modo carinhoso como o chamava. Além disso, fez o possível e o impossível para denunciar o crime cometido pelos militares. Escreveu inúmeras cartas e ainda burlou a segurança do Secretário de Estado de Governo dos Estados Unidos, Henry Kissinger, para entregar-lhe um dossiê sobre a morte de seu filho.

No entanto, foi na criação que Zuzu Angel encontrou a sua maior força pra mostrar para o mundo o que de fato acontecia no Brasil. No mesmo ano da morte de seu Stuart, a estilista realizou um ‘’desfile-protesto’’, em Nova York, na casa do cônsul-geral do Brasil nos Estados Unidos. Criou, com muita criatividade, ironia e delicadeza, uma coleção inteirinha de denúncia. Trocou as borboletas e passarinhos por canhões, soldados, tanques de guerra, sóis que nasciam quadrados e anjos amordaçados – todos bordados com traços suaves, lembrando desenhos infantis. Usou a moda a seu favor e criou, assim, ‘’a primeira coleção de moda política da história’’.

Ela ainda passou a usar roupas pretas e acessórios como o icônico colar com pingente de anjo e o cinto com centenas de crucifixos, como forma de tributo à morte de seu filho e ao desaparecimento de seu corpo. Considerada, porém, como uma ameaça, Zuzu passou a ser perseguida e intimidada, o que a levou a escrever uma carta para seu amigo Chico Buarque, na qual avisou que se aparecesse morta, por acidente ou outro meio, teria sido obra dos assassinos de seu amado filho. Zuzu não previa o futuro nem nada: ela apenas sabia com quem estava lidando – o que no entanto, não foi suficiente para que escapasse das mãos dos militares. No dia 14 de abril de 1976, a estilista sofreu um suspeito acidente de carro na saída do túnel Dois Irmãos, na Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro – hoje batizado com o seu nome. Em 1998, graças à Comissão dos Desaparecidos Políticos, comprovou-se que Zuzu realmente havia sido mais uma vítima do regime militar.

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Zuzu e sua família (© Acervo Instituto Zuzu Angel)

Zuzu não morreu

A ditadura pode ter levado a estilista e seu filho, mas sua história continua de pé. Quase quarenta anos depois de sua morte, a memória de Zuzu continua viva na cultura brasileira. Em 2006, o diretor Sérgio Rezende deu nova vida ao passado de Zuzu Angel e contou no filme homônimo a história da estilista, abrangendo todas as suas facetas. Patrícia Pillar – ao lado de Daniel de Oliveira, como Stuart – incorporou a Zuzu costureira, empreendedora, mãe e mulher de coragem. Em 1977, foi homenageada em um dos carros alegóricos no desfile da escola de samba Império Serrano. Na moda, foi homenageada por vários estilistas, sendo inclusive, inspiração para a coleção Quem matou Zuzu Angel?, de Ronaldo Fraga, em 2001.

Uma das influências mais importantes do passado da estilista é o Instituto Zuzu Angel (IZA), idealizado e fundado em 1993 por sua filha, Hildegard. O IZA é uma entidade sem fins lucrativos, que além de funcionar como acervo da estilista, tem como objetivo preservar a memória de Zuzu e investir em jovens talentos da moda brasileira. Além disso, são inúmeros os projetos que homenageiam a costureira, entre eles a Casa Zuzu Angel de Memória da Moda do Brasil, museu de moda fruto da parceria do IZA com o governo do estado do Rio de Janeiro.

O museu de moda – que reunirá peças de Zuzu e de outros estilistas – deve ser inaugurado apenas em outubro, mas, enquanto isso, os fãs da costureira podem conhecer sua história mais de perto na exposição Ocupação Zuzu, em cartaz de 1º de abril a 11 de maio, no Itaú Cultural de São Paulo. A retrospectiva reúne mais de 400 peças, entre vestidos, bordados, croquis, cartas, fotografias e documentos. Tem curadoria da filha da estilista, Hildegard, junto com equipe do Itaú Cultural e Valdy Lopes Jn, e procura mostrar os vários lados de Zuzu. A exposição conta com um lounge com uma linha do tempo contando a história de Zuzu e mais três andares, trazendo ainda fotos e objetos inéditos de Stuart, além trechos de vídeo do desfile-protesto. O evento antecede a volta da grife ao mercado, que voltará a ser vendida a partir de setembro. A equipe de estilo será provavelmente composta por designers formados pelo Instituto Zuzu Angel e poderá ser liderada pela estilista Alice Tapajós, parceira da instituição.

Em 2014, o Golpe Militar faz 50 anos. 38, desde a morte de Zuzu Angel. Tempo – ou governo – nenhum, porém, apaga a luta e o talento desta mulher, que revolucionou a moda brasileira e se consagrou com um exemplo vivo de luta e coragem.

Símbolo da marca, o anjo era estampado na parte externa das camisetas, uma inovação para a época

Ocupação Zuzu
Em cartaz de 1º abril a 11 de maio, no Itaú Cultural, Avenida Paulista, 149, Estação Brigadeiro do Metrô
De terça a sexta, das 9h às 20h
Sábado, domingos e feriados, das 11h às 20h
Itaú Cultural: (11) 2168-1776/ (11) 2168 – 1777
www.itaucultural.org.br
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Veja mais fotos da exposição:

As misturas de Zuzu, o chique e o comum: vestido de organza de seda pura com renda de algodão tingida

“Los Angeles – Califórnia”, modelo para a coleção Miss Bergdorf Goodman

Originalmente em: http://www.lado-m.com/zuzu-angel-ela-e-a-moda-e-a-historia-do-brasil/

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